Autoridades e
pesquisadores discordam sobre uso de cannabis medicinal
Debate foi na
Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara
Publicado em 09/07/2019 - 18:35
Por Jonas
Valente – Repórter Agência Brasil Brasília
As formas
de uso da cannabis para fins medicinais são um assunto polêmico no Brasil. E as
divergências apareceram também em audiência, hoje (9), na Comissão de
Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados sobre a regulação dessa
prática. Nas exposições de autoridades, pesquisadores e representantes de
pacientes, opiniões variaram entre uma maior abertura, incluindo o plantio por
famílias para tratamento, e normas mais restritivas.
O tema é
objeto de discussão no Parlamento e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). A agência reguladora está com consulta pública aberta para
ouvir interessados sobre uma proposta de resolução voltada a definir
“requisitos técnicos e administrativos de segurança e controle necessários para
a autorização do cultivo, exclusivamente para fins medicinais e científicos, da
planta Cannabis spp”.
No
Congresso, diversos projetos de lei buscam regular o emprego medicinal. Na
Câmara tramita o PL 399 de 2015, do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), que cria
condições para viabilizar “a comercialização de medicamentos que contenham
extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação”. No
Senado, o PLS 514 de 2017 inclui na legislação a “permissão de
importação de sementes e plantas e descriminalizar o cultivo de cannabis sativa
para uso pessoal terapêutico medicinal e científico”.
Debate
O
deputado Eduardo Costa (PTB-PA) abriu a audiência lembrando que já há
medicamentos com substâncias derivadas da cannabis sendo comercializados no
Brasil, para tratamento de esclerosa múltipla, mas por um alto custo. “Mervatyl
é utilizado para esclerose múltipla, mas tem custo unitário de R$ 2 mil,
proibitivo para classes mais humildes. Temos que criar facilidades. Seria o
melhor dos mundos ter o registro de medicamentos e que eles fossem utilizados
pelo SUS, para que famílias tivessem mais segurança”, defendeu.
O
presidente da Anvisa, William Dib, argumentou que hoje o tema está sendo
decidido pela Justiça sem critérios claros. Ele explicou que a proposta de
resolução da agência fixaria exigências para o plantio, como a sua realização
dentro de prédios, com determinadas condições técnicas e de segurança.
“O
registro será simplificado, sem precisar de estudo clínico. Precisaria de
certificação de qualidade, de boas práticas. Isso é fundamental, segurança de
que produto será produtivo positivamente, usado para saúde das pessoas, e não
para uso qualquer que seja diferente de medicamento”, explicou.
Quirino
Cordeiro, do Ministério da Cidadania, questionou as evidências científicas da
efetividade do emprego de cannabis em tratamentos em diversas áreas. Ele
discordou de pontos importantes da proposta da Anvisa e defendeu uma regulação
mais restritiva, na qual seria liberada apenas o uso do canabidiol.
“Não
podemos deixar que as famílias tenham que plantar o que seus filhos vão
utilizar. Tanto o plantio por empresas quanto por famílias, o ministério avalia
que são situações inapropriadas. Precisamos nos ater aonde estamos no presente
momento no tocante ao embasamento científico para isso, o uso compassivo do
canabidiol, mas vedando a prescrição da cannabis in natura para uso
terapêutico”, opinou.
Controle e fiscalização
O
representante do Ministério da Agricultura Carlos Goulart informou que o órgão
não se opõe ao uso medicinal, mas sua preocupação está na “organização dos
órgãos para definir quem iria controlar e fiscalizar se o uso proposto desses
plantios”.
João
Paulo Lotufo, do Conselho Federal de Medicina, manifestou preocupação do uso
medicinal reforçar uma percepção na sociedade de que a cannabis não faz mal.
“Podemos plantar e produzir o canabidiol? Acho que deve. Mas temos que
esclarecer que não há maconha medicinal, há canabidiol. Essa é a preocupação do
CFM. Precisamos de medidas de informação neste sentido”, disse.
O médico
Leonardo Ramires, representante da Associação Brasileira de Pacientes de
Cannabis Medicinal, contestou o representante do Ministério da Cidadania
afirmando que o “canabidiol sozinho não existe”. Ele também contestou o
argumento de que não haveria evidências científicas dos benefícios de
tratamentos com produtos à base de cannabis, citando que mais de 900 médicos de
36 especialidades já teriam prescrevido tratamento com substâncias desse tipo.
Na
avaliação de Ramires, o cenário atual, com a oferta de apenas um medicamento, é
problemático porque a comercialização depende da safra da planta e o custo é
alto. O Mervatyl, por exemplo, custa cerca de R$ 2.000. “Caro vai ficar para
nós, pacientes. Há empresário abrindo empresa nos Estados Unidos para vender
para brasileiro. Será que isso é para população brasileira? Precisa de
associação para fornecer a preço justo”, disse.
Ricardo
Ferreira, da Associação Brasileira do Estudo de Cannabis, reforçou que não se
trata de liberação ou não da cannabis, mas de como ampliar o mercado, hoje
monopolizado pela fabricante do Mervatyl, a empresa britânica GW.
“A
questão é vamos continuar importando ou vamos produzir aqui? Vamos usar a
regulamentação a nosso favor ou vamos importar insumos que uma empresa vai
produzir lá fora para vender para cá. É isso que tem que ser discutido, e não
se a cannabis pode ou não ser usada como medicamento. Isso já foi resolvido em
2017”, disse, lembrando do ano em que a Anvisa permitiu o início da
comercialização do Mevatyl no país.
O
deputado e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR) defendeu que a regulação
pode ajudar a baratear os custos do Sistema Único de Saúde no atendimento a
pacientes em doenças e condições cujo uso de cannabis medicinal pode auxiliar.
“Esse é o debate que interessa para o Brasil, e pode reduzir para o SUS o custo
de determinados tratamentos, especialmente se tivermos liberdade de utilizar a
planta adequada da forma mais simples”.
Saiba mais
Edição: Fernando Fraga
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