Quanto
custam, lá fora, os carros fabricados no Brasil?
Gustavo
Henrique Ruffo 24 agosto, 2015
Quando as coisas pareciam ser
mais estáveis em nossa economia, fizemos uma reportagem comparando o valor de
alguns carros vendidos no Brasil e no exterior. No dia em que a matéria
saiu, o dólar valia exatos R$ 2,43, mais de R$ 1 abaixo do valor atual. E a
diferença de preços ainda impressionava. Mas e hoje, com o dólar a R$ 3,50?
Resolvemos fazer uma comparação mais extensa, mas também mais incisiva. Para
isso, usaremos apenas as nossas “jabuticabas”, ou seja, carros que são
fabricados apenas no Brasil. Com apenas duas exceções.
A ideia por trás disso é a
seguinte: se os modelos são feitos apenas por aqui, as unidades exportadas e
vendidas em outros países absorvem necessariamente os mesmos custos de produção
das unidades vendidas no Brasil. O preço do aço, da energia, da água e da mão
de obra é o mesmo que o dos carros feitos e vendidos aqui, com o agravante de
valores mais altos de frete, pelas distâncias percorridas. Só as margens de
lucro de concessionários e das fabricantes, além dos impostos, poderão ser
diferentes.
Poderíamos escolher qualquer país
em que os carros brasileiros são vendidos, mas preferimos apenas aqueles com
acordos comerciais com o Brasil, como os do Mercosul e o México. Nestes, a
distorção será menor justamente pelo fato de os veículos serem vendidos neles
como se fossem modelos nacionais, sem pagar impostos de importação. Os que
eventualmente incidirem serão os mesmos aos quais qualquer outro modelo
fabricado por lá estaria sujeito. Isso permitirá uma comparação mais justa.
Quando fiz essa reportagem pela primeira vez, em julho de
2009, falei com Evaldo Alves, professor de economia internacional da Fundação
Getúlio Vargas, e ele me passou referências que, curiosamente, podem ser usadas
até hoje.
Os dados ainda são válidos
porque, apesar de já fazer seis anos que a entrevista aconteceu, os valores de IPI
da época se mantêm inacreditavelmente iguais. Pelo menos desde 1º de janeiro deste
ano, quando a alíquota cheia voltou a valer. Carros como motores de
até 1 litro pagavam em 2009 7% de IPI. E ainda pagam. Motores entre 1 litro e
dois litros a gasolina ou flex pagavam 13%. Hoje, só os movidos a gasolina
pagam isso, mas a diferença para os flex é de apenas dois pontos percentuais, ou
11%. Motores com deslocamento maior que 2 litros pagavam 25% de IPI. Ainda
pagam, se tiverem motores apenas a gasolina. Carros flex pagam 18%.
Na época, o prof. Alves disse que
a carga de impostos sobre os veículos com motor até 1 litro representava 27,1%
do preço final de venda do automóvel — ou seja: pegue o valor que você pagou em
seu 1.0 e tire 27,1%. Esse é o tanto do preço que fica com o governo.
Se o valor de venda não incluísse
os impostos, e eles fossem cobrados apenas na hora do pagamento, eles representariam
um aumento de 37,2% no valor do carro — ou seja: o total de impostos
incidentes sobre o valor real de um 1.0 é de 37,2%.
Para não ficar confuso: imagine
que o carro custa 100. Com os 37,2% de impostos sobre o preço real, ou seja,
sobre os 100, seu preço passaria a custar 137,2. Mas imagine que você não sabe
disso, que o preço do carro já inclui os impostos e é de 137,2. Você quer
calcular o valor real de seu carro, sem os impostos. Neste caso, você toma
o valor final como referência, que é de 137,2, e subtrai dele
27,1%. Esses 27,1% de 137,2 serão 37,2.
Resumindo, a fórmula que o prof.
Alves nos passou permite descobrir o preço real do automóvel, sem a inclusão
dos impostos, que já vêm embutidos no preço que pagamos. Mas a proporção de
impostos sobre esse preço real é muito maior do que a porcentagem que ele nos
passou. E é o montante sobre o preço real, sem impostos, que você deve
considerar.
Para os modelos com cilindrada
entre 1 litro e 2 litros, o custo dos impostos representa 30,4% do preço
final. Se o valor considerado fosse o original, ainda sem impostos, a garfada
governamental seria de 43,7%.
Por fim, no caso dos carros com
motores com cilindrada maior que 2 litros, a carga tributária seria de
36,4%. Se esse valor fosse comparado ao do que o carro custaria sem as taxas,
sua doação forçada ao Estado chegaria em 57,2%. Isso mesmo: quase 60% do
preço do carro vai para o bolso do governo.
Como essa é a mesma conclusão a
que o pessoal do Vrum chegou em setembro do ano
passado, com a ajuda do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e
Tributação), ficamos ainda mais tranquilos com nossas referências. Um estudo recente da Anfavea, divulgado
em julho do ano passado, indica valores bem parecidos com os
fornecidos pelo prof. Alves: 24%, 28,4% e 36,8%.
A coisa hoje é um pouco mais
transparente do que era em 2009. Agora, o valor dos impostos pagos deve ser
discriminado na nota fiscal de compra. Se você comprou um carro recentemente,
confira quanto de imposto pagou no recibo. E fique à vontade para dividir
conosco nos comentários. É sempre bom ter referências do mundo real.
Como não existem carros flex nos
países que usamos como base de comparação, a alíquota menor de IPI não
representa nenhum benefício para os modelos aqui presentes. É até o contrário:
aplicar a eles os descontos que o prof. Alves indicou em 2009, cheios,
representa tirar do valor real deles mais do que o governo efetivamente
embolsa.
Para as fabricantes, o quadro
seria ainda pior do que aparenta com os dados que vimos até agora. Em entrevista ao jornal Diário do Grande
ABC, Luiz Moan, presidente da Anfavea, deu a seguinte declaração:
“Exportamos impostos, enquanto os nossos concorrentes não. Temos 9% de tributos
agregados aos nossos custos de produção”. É o que esse slide, do mesmo estudo
que já citamos da Anfavea, mostra com um pouco mais de correção. O valor de
impostos embutidos, na verdade, é de 8,8%.
O prof. Alves nos ajudou com mais
uma coisa: a ter uma ideia de quanto outros países cobram de impostos na compra
do automóvel. Segundo ele, os EUA cobravam 6,1%; Japão, 9,1%; Alemanha, 13%. O
estudo da Anfavea indica valores um pouco maiores para estes três países.
As alíquotas que realmente nos
interessam são as do México e da Argentina, países que escolhemos para nos dar
parâmetro. Segundo o único dado que encontramos a respeito,
infelizmente antigo, de abril de 2010, a carga tributária, tanto no
México quanto na Argentina chegam a um máximo de 20%. Vamos com este dado. Se
houver um melhor, a gente atualiza depois.
Também fizemos o cálculo do poder
de compra do brasileiro diante do mexicano e do argentino. Segundo dados do Banco Mundial, dentro dos critérios de
paridade de poder de compra aplicados à renda per capita, o brasileiro tinha em
2014 o poder de compra de US$ 16.155,10, contra US$ 17.167 do mexicano. A
Argentina não consta dos dados do Banco Mundial, mas, segundo o site Knoema, é de US$
22.582. Os dados são de 2014.
Com base neles, calculamos por
quantos meses um brasileiro, um mexicano e um argentino têm de trabalhar para
comprar um carro brasileiro. Lembrando que, como o dólar subiu pacas em 2015,
nossos dados provavelmente refletem um momento muito mais feliz dos orçamentos
de todos nós. Não o momento atual.
México vs. Brasil
Segundo nosso levantamento, a
carga tributária não explica a diferença de preço entre o carro brasileiro
vendido no Brasil e vendido na terra do Seu Madruga. Mesmo quando parece ser
uma explicação razoável.
Veja o caso da Chevrolet Tornado
LS, conhecida aqui como Montana. Ela custa, no México, 181.500 pesos, que
correspondem a R$ 37.389. O modelo brasileiro equivalente sai a R$ 43.550, uma
diferença de R$ 6.161 a mais para o modelo brasileiro. E equivalente é
eufemismo. Enquanto o modelo brasileiro vem apenas com o motor 1.4, o mexicano
só é equipado com o 1.8.
Considerando o único modelo
brasileiro da Chevrolet com motor 1.4 e 1.8, o Cobalt, a diferença de preço,
considerando apenas o motor, é de R$ 2.600. A diferença total, portanto,
deveria ser de R$ 8.761. Mas vamos com a que podemos medir, mesmo. Como um
carro que viaja cerca de 7.500 km pode custar menos do que o vendido na porta
da fábrica?
Analise conosco se a hipótese
tributária resolve o caso. Tirando da Montana os 30,4% que equivaleriam aos
impostos, chegamos a R$ 30.310,80. No México, tirando os 20% de carga
tributária, o valor seria de R$ 29.938,14. Se o Brasil exporta os impostos,
como Moan declarou, o desconto de 8,8% não se aplica. Vai embutido no preço do
modelo vendido no México e fabricado exclusivamente aqui. São apenas R$ 400 de
diferença, mas não se esqueça de que a Montana é 1.4 e a Tornado, 1.8. E que a
diferença entre os dois motores é de R$ 2.600. R$ 3.000 são quase 7% de
diferença.
Partindo para a realidade nossa
de cada dia, um mexicano, com a renda anual que já citamos, teria de entregar
cerca de 7 meses de salário para comprar sua Tornado. Um brasileiro teria de
poupar 9 meses inteiros, sem gastar com mais nada.
Peguemos agora o caso mais
extremo de diferença, o do Ford EcoSport. Ele e o Honda City são as duas
únicas exceções que abrimos às jabuticabas. Primeiro, porque são modelos
representativos. O Ka não é vendido no México e, apesar de o Eco ser feito
também na Índia e na China, o primeiro modelo mundial da marca projetado no
Brasil sai daqui em direção ao México. O Honda City também.
Por lá, o EcoSport só é vendido
com motor 2.0 e custa, na versão Trend Automática, equivalente à Freestyle 2.0
PowerShift, 270.400 pesos. Em reais, isso dá R$ 55.752,58. No Brasil, o
carro é vendido a R$ 79.800, uma diferença de R$ 24.047,42. Tirando os
impostos, o modelo vendido no México sairia por R$ 44.602,06. O brasileiro, por
R$ 55.540,80.
Enquanto um mexicano trabalha 11
meses para comprar seu EcoSport, um brasileiro fica mais seis meses no batente,
ou trabalha 17 meses para levar seu crossover para casa.
Os outros casos ficam entre estes
extremos. Consulte-os em nossa tabela, para matar a curiosidade. Há duas
planilhas no link, a da Argentina e a do México. Clique em uma outra para
visualizar os dados que preferir.
Argentina vs. Brasil
Para quem nunca ouviu falar de
inflação, a Argentina também voltou a viver esse fantasma. Tanto que não se
encontra mais os preços dos veículos em muitos sites argentinos, como o da Fiat
e o da Honda. Só encontramos os que faltaram na tabela da Cámara del Comercio Automotor. E olhe
lá.
Na Argentina, a inflação fez
outro desserviço às pessoas: tirou delas a referência de valor. Aliás, é isso
que a inflação faz em qualquer país que sofre com ela. Com isso, todos os
modelos brasileiros, por lá, saem mais caros. Nem vamos nos estender em quanto,
mas a menor diferença fica em R$ 4.744,15, para o VW Voyage, e a maior, para a
Chevrolet Montana, R$ 15.543,66 mais cara que a brasileira.
Por lá, o governo partiu para o
ataque direto às fabricantes. O ministro da Economia, Axel Kicillof,
disse em entrevista ao jornalista Horacio Verbitsky, da TV Pública,
que trabalha “para que as fabricantes não nos roubem”. Também acusou a
indústria automotiva de lá de “traficar ganâncias”. É a declaração mais dura
que já vimos alguém de qualquer governo dar sobre o assunto. Pode ser apenas
uma tentativa de empurrar a culpa dos problemas para um vilão qualquer, mas,
considerando nosso levantamento, o argentino tem suas razões para
reclamar. Se o custo do produto feito no Brasil em dólares é tão mais baixo do
que o cobrado por lá, o que explica os preços atuais?
Ainda que paguem mais, os
argentinos levam quase o mesmo tempo que o brasileiro para comprar os carros
novos, com exceção da Montana e do Fiat Palio Essence, que consomem
respectivamente 2 e 1 mês de salário a mais dos vizinhos do sul.
Quem quiser mais detalhes dos
carros pode consultar as tabelas que criamos. Comparado a uma economia em
melhor situação que a nossa, o carro brasileiro fica mais caro aqui do que
exportado. Mesmo com o dólar a R$ 3,50. Se a referência é um país em
dificuldades, pagamos menos, como seria de esperar para quem produz os modelos.
Se o dólar chegar a R$ 4,00, talvez possamos dizer que os veículos fabricados
aqui têm preços equivalentes aos dos vendidos no exterior. Inclusive quando
forem frutos exclusivos dessa terra que tudo dá. Como, entre outras coisas, um
bocado de dinheiro.
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