O mundo do automóvel precisa se
livrar do machismo para evoluir e sobreviver na era pós-digital
Divulgação
Entre as
mulheres mais importantes do setor automotivo, Mary Barra comanda a General
Motors desde 2014
Eu sei, o tema é delicado, mas
precisamos falar sobre o machismo em tudo que envolve o universo automotivo.
Esta coluna sempre defendeu a necessidade de uma reinvenção das montadoras e
das concessionárias, de todo o modelo de negócio na era pós-digital. Essa
virada só será possível com a presença de mulheres mais forte nos cargos de
comando de todas as áreas do mundo do automóvel. Mas, para isso, o modelo
mental machista deste setor precisa mudar radicalmente.
Por que é tão importante ter mulheres
com poder decisório nessa indústria? Ora, elas são praticamente a metade do
público comprador de carro, e o porcentual seria ainda maior se a cultura
machista não estivesse tão arraigada. Mas há um motivo ainda mais fundamental,
como defendeu o presidente do Grupo Abril, Walter Longo, durante sua palestra
de abertura no fórum Tendências da revista Quatro Rodas: mulheres são mais
digitais, enquanto os homens são mais analógicos. Isso significa que elas
possuem os atributos que o setor precisa para não sucumbir nessa nova economia
que está em franca revolução.
Quais seriam esses atributos? Por
razões antropológicas, mulheres são mais multifuncionais, colaborativas e
intuitivas. E são menos centralizadoras, individualistas e hierarquizadas.
Trabalham melhor em equipe, têm mais network e senso de comunidade, são mais
antenadas que os homens. Tudo que a economia digital exige, as mulheres têm
mais condições de oferecer num papel de liderança: foco na experiência, nos
serviços, no atendimento, no encantamento, no engajamento. O momento do mercado
é mais de emoção, intuição, sensação e colaboração, e menos de razão,
previsibilidade, competição e precisão (especialidades dos homens desde os
tempos das cavernas).
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Ana
Theresa Borsari é a a principal responsável pelo processo de reestruturação da
Peugeot no Brasil
Mulheres começaram a assumir
postos-chave em algumas montadoras, mas ainda são exceção, e por isso chamam
tanta atenção – e até atraem certo preconceito. Há quase quatro anos, Mary
Barra comanda com sucesso a ressureição da GM após a empresa ter sido salva da
falência pelo governo americano (ela é a CEO global do grupo). No Brasil, Ana
Theresa Borsari luta há dois anos para recolocar nos trilhos a operação da
Peugeot. Em outras áreas industriais, comerciais e governamentais, há muito
mais mulheres em posições de liderança do que na indústria automobilística.
Pesquisas recentes feitas com
mulheres que trabalham no setor automotivo (nos EUA pela Automotive News e no
Brasil pela Automotive Business) apresentaram resultados muito parecidos: falta
de mulheres em postos-chave, salários inferiores, falta de reconhecimento e
oportunidade, tarefas menos relevantes e muito preconceito. A pesquisa
americana (http://www.autonews.com/section/projectxx) foi ainda mais a fundo na
questão e mostrou casos de assédio moral e sexual contra mulheres em empresas
automotivas e concessionárias, além de uma cultura machista que repele mulheres
e impede a ascensão das que insistem em trabalhar nessa indústria.
Evolução?
Reprodução/Newspress
Salões do
Automóvel recebem criticas quando usam belas garotas para chamar atenção do
público nos estandes
O machismo no setor automotivo
vai muito além de preconceitos contra as “Donas Marias” no trânsito, ou o
surrado “vai pilotar fogão”. Vai além dos calendários com mulheres nuas em
borracharias e das modelos em trajes sumários no Salão do Automóvel. Ele está
na expectativa que o dono de um carrão tem de fazer sucesso com as mulheres na
porta da balada. Nos caubóis a bordo de picaponas que brincam de laçar mulheres
nas festas de peões. No dono de concessionária que só seleciona vendedoras se
elas forem “bonitonas”.No mecânico que quer arrancar mais dinheiro da “madame
que não entende nada de carro”. No taxista que faz gracejos (ou coisa pior)
para a passageira. Nos jornalistas automotivos e assessores de imprensa que
menosprezam (ou assediam) suas colegas do sexo oposto. No organizador de
eventos que escolhe moças do “livro rosa” para atender diretores e clientes
vips. No executivo de montadora que leva parceiros comerciais e jornalistas a
prostíbulos após uma reunião de trabalho, às vezes sob olhares assustados de
colegas mulheres.
Estou nesse setor há quase três
décadas e já presenciei muitas situações humilhantes para mulheres. Sei que a
condição melhorou muito, mas ainda é um universo refratário ao sexo feminino,
num momento em que a presença delas é necessária por questões não só éticas e
morais, mas para o próprio futuro do negócio. O sexismo não está no repertório
das novas e futuras gerações de consumidores.
O mundo evoluiu, e continua a
evoluir em alta velocidade. Velocidade que, infelizmente, vem faltando nas
mudanças do mundo do automóvel, salvo raras exceções. Não estou pregando que os
homens, com seu jeito se ser, não são mais importantes para o setor. Longe
disso. Mas a presença feminina é bem-vinda e fundamental, sobretudo em funções
capazes de definir os rumos da indústria e do comércio automotivo.
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Fonte: Carros - iG @ http://carros.ig.com.br/colunas/autobuzz/2017-10-25/mulheres-no-mundo-automotivo.html
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