Após
êxodo e falência, Detroit ensaia 'ressurreição'
Kim
Gittleson Da BBC News em Vancouver, Canadá
- 7 fevereiro 2015
Outrora símbolo da indústria automotiva dos EUA, Detroit começa agora a
dar sinais de recuperação
Em uma fria tarde de sábado,
centenas de pessoas lotam o ginásio da Escola Secundária de Mumford, em
Detroit. A imensa maioria delas tem em mãos papéis na cor laranja.
Elas estão aqui para comprar
terrenos vazios localizados perto de suas casas por um valor módico: US$ 100
(R$ 278).
Trata-se de uma tentativa do novo
prefeito, Mike Duggan, e do conselho municipal de encontrar novos donos para as
dezenas de milhares de propriedades abandonadas pela cidade.
Os lotes vazios são uma das
memórias mais dolorosas da classe média que prosperou em meio ao boom da
indústria automobilística de Detroit.
Isso antes das demissões, que
culminaram em centenas de milhares de pessoas abandonando a cidade. Como
resultado, bairros inteiros ficaram "às moscas".
A americana Sheryl Shockley mostra documento de compra de
imóvel abandonado ao lado de sua casa
Foi um êxodo sem precedentes.
Desde 1960, a população da cidade caiu de 2 milhões de habitantes para os
atuais 700 mil. E, quando se imaginava que nada de pior pudesse mais acontecer,
há um ano e meio, as autoridades de Detroit declararam a cidade falida.
Mas com o placar eletrônico do
ginásio da escola registrando o número de lotes vendidos, há uma sensação
palpável aqui que aponta para um novo 'recomeço'.
A americana Sherry Shockley,
moradora de Detroit, comprou um dos lotes. Há 15 anos, ela cuida do terreno
abandonado ao lado de sua casa.
"Quando comecei a cuidar
desse terreno, não havia árvores ─ agora, elas estão da mesma altura que
edifícios", diz ela.
Sherry reconhece que os últimos
anos têm sido difíceis, à medida que as finanças da cidade entraram em colapso
e serviços básicos, como a polícia, sucumbiram à má administração crônica dos
políticos locais.
"Lutei contra as gangues que
queriam depredar a casa ao lado", conta.
"Tinha que sair na rua e
gritar: "Vocês não vão danificar o meu bairro", relembra.
Mas hoje é diferente. "Tenho
um sentimento de que há uma nova sensação de segurança na cidade."
Entre 1960 e 2015, Detroit perdeu mais da metade de sua
população
Um ano e meio atrás, a outrora
capital mundial da indústria automobolística americana parecia ter ficado sem
combustível.
Detroit era uma cidade
assustadora e escura ─ literalmente, uma vez que apenas 40% de todo o
equipamento de iluminação pública funcionava.
A cidade se sentia abandonada –
sensação compartilhado por aqueles que permaneceram, muitos dos quais encaravam
a declaração de falência como uma tentativa do Estado de Michigan e dos
credores da cidade de finalmente apagá-la do mapa.
Quando eu estive aqui no início
do processo de falência em outubro de 2013, centenas de moradores tomaram as
ruas, gritando "bancos resgatados, Detroit abandonada", em alusão à
decisão do governo americano de socorrer instituições financeiras fortemente
abaladas pela crise de 2008.
Sorte
Apesar de decretar falência, Detroit não precisou vender
obras-primas de museu
O juiz que presidiu o processo de
falência, Steven Rhodes, considera um milagre a forma como Detroit superou o
processo de falência evitando ter de fazer cortes draconianos em alguns
benefícios sociais, como as pensões dos aposentados.
A cidade tampouco se viu forçada
a vender ativos importantes como uma coleção de arte do Instituto de Artes de
Detroit que inclui obras-primas de Matisse e Van Gogh.
Obviamente, Detroit está longe de
seu apogeu em 1960 ─ e ninguém aqui acredita, em sã consciência, que a cidade
voltará a ser o motor econômico do oeste dos Estados Unidos.
Mas, para alguns, o processo de
falência deixou uma pergunta ainda não respondida.
No leilão de lotes, conheço Jan e
Greg Frasier. O casal acaba de comprar os três lotes ao redor da casa onde Jan
passou sua infância.
Embora impressionados com a
iniciativa do novo prefeito, Greg não está certo de que a declaração de falência
foi apenas uma "panaceia", como muitos dizem.
"As coisas não mudaram muito
em Detroit ─ a única diferença, uma grande diferença ─ é que não temos poder
decisório", diz Greg, referindo-se ao fato de que muitas das mudanças
ocorridas após a falência não foram votadas pelos moradores da cidade.
Há um ano e meio, sem dinheiro e endividada, Detroit
decretou falência
Mas, para a maioria dos outros
participantes do leilão, qualquer sinal de progresso ─ um governo municipal que
está trabalhando pela primeira vez em muitos anos ─ é o suficiente.
Acompanhei Sherry até sua casa
para ver o lote que ela havia acabado de comprar, onde outrora existia uma
casa. Ela me disse com entusiasmo sobre o jardim que está planejando construir
no espaço.
"Eu não vivo em Detroit por
obrigação", diz ela.
"Estou aqui pela atmosfera
da cidade. Eu amo morar aqui. Essa é a beleza de Detroit."
E, enquanto observa seu novo
terreno, uma lágrima escorre de seu rosto.
É pouco provável que Sherry vá
reconstruir a casa que existia ali.
Assim como é difícil imaginar que
Detroit conseguirá reerguer-se completamente e voltar a ser a cidade que uma
vez inspirou a admiração de muitos, um reflexo do chamado 'sonho americano'.
Mas um jardim é sempre um começo
promissor.
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